Esther Louro e Manuelle de Lima
Em nosso país
há cerca de 80 mil* crianças e adolescentes em abrigos, mas apenas 12 mil*
estão aptas à adoção, que é quando os pais ou representantes legais perdem o
pátrio poder, e são assim destituídos da tutela do menor. Muitas são abandonadas
nas portas dos abrigos sem nenhum esclarecimento dos responsáveis e sem
identificação, fazendo com que vários menores cheguem à maioridade sem família.
O número de
crianças para a adoção é baixo comparado aos interessados a adotar. Além disso,
o processo ainda esbarra em trâmites e burocracias que dificultam o seu
andamento. Mas é a fila de espera para ter a guarda do menor que se torna a
etapa mais cansativa, na qual geralmente não se sai em menos de dois anos. Isso
ocorre devido ao perfil quase sempre igual de criança pretendida pelas famílias,
que são bebês ou crianças de até cinco anos, caucasianas e sem doenças pré-referidas.
Para o
processo de adoção, o interessado deve dirigir-se à Vara de Infância e
Juventude, onde primeiramente preenche um formulário, no qual o requerente marca
as características que busca na criança, como sexo, cor da pele, dos olhos, dos
cabelos e a idade, que é o requisito responsável pela grande demora nas filas. Em
seguida, o possível adotante é entrevistado pela equipe técnica. Caso seja
aprovado, a próxima etapa é apresentar documentos como: comprovante de renda
mensal; atestado de sanidade mental e física e atestado de idoneidade moral
assinado por duas testemunhas com firma reconhecida e atestado de antecedentes
criminais. Após a entrega de todos os documentos, o adotante recebe em sua
residência a visita da equipe técnica. Se tudo correr bem, o juiz sentencia
autorizando o processo de adoção.
A partir daí começa
o martírio da adoção: esperar na fila. As autoridades reconhecem que muito ainda precisa ser feito para
que o tempo de espera nas filas seja reduzido. Criou-se um Cadastro Único
Nacional para agilizar essa fila e possibilitar que pessoas que não tem
condições de ir em comarcas de diversos estados possam encontrar as crianças
pretendidas não só em suas cidades.
Exemplos
de amor e perseverança
Conversamos
com o casal A. G. S., 26 anos, e M. K. S., 34, casados a pouco mais de três
anos e que iniciaram o processo de adoção há mais de dois. A burocracia de
entrega de documentos, entrevistas e aprovação do juiz, durou em média seis
meses, mas a espera na fila já dura um ano e meio.
No perfil da
criança pretendida, o casal apenas especificou: que tenha até 2 anos e doenças
tratáveis. Hoje em dia, o casal se informa sobre a qualidade de vida de
portadores de certas doenças como a AIDS, pois pensam em adotar uma criança HIV
positivo. Caso decidam positivamente, precisarão ir à comarca alterar o perfil
escolhido, o que acarretará em uma nova análise por parte da equipe técnica,
pois precisam saber o que acarretou a mudança. Contudo, essa nova análise é
mais simples e ágil do que a primeira.
Conversamos
com outro casal, que já está com a guarda de um menino há quase um ano. L.H.M.,
46 anos e C.B.M, 45 anos, são casados há 22 e após muito tempo sonhando com a
gestação que nunca acontecia, desistiram de ter um filho sanguíneo e optaram por
um de coração. Prontamente após a decisão, o casal foi se informar sobre todo o
processo, pois não tinham idéia de como funcionava.
Foram bem específicos quanto ao perfil da criança:
deveria ser menino, negro e com até um ano, o que lhes deixou três anos na
fila, esperando uma criança com essas características estar disponível. A parte
burocrática, assim como no primeiro casal, não demorou muito. Outra semelhança
dos casais foi o fato de que, ao contrário do que as regras ditam, nenhum dos
dois recebeu visitas da equipe técnica em suas casas.
Quando o segundo casal conheceu o menino ele
tinha quatro meses e meio. Estava no Abrigo de Menores Casa do Carinho e foi lá
que durante uma semana e meia iam vê-lo todos os dias (algo incomum). Passada
essa fase, o juiz autorizou-os a levar o menino para casa, o que durou cerca de
uma semana.
Próximo de fazer um ano da guarda do menino,
que hoje está com 1 ano e 3 meses, o casal foi questionado se contarão para ele
sobre a adoção. A mãe foi enfática na resposta: sim, uma vez que todos sabem
que ele é adotado não teria como não contar. A assistente social aconselhou-os a
partir dos três anos de idade a começar a explicar que ele é filho do coração. Já
o pai ainda se pergunta se contará ou não, pois o bebê é muito parecido com ele.
A adaptação não foi fácil, já que não eram
mais tão jovens e tinham a mesma rotina a mais de 20 anos. Com a chegada do bebê,
necessitando de atenção contínua, tudo mudou. Já não conseguiam se organizar da
mesma forma que antes. Entretanto, segundo eles, o amor ao filho e a alegria de
ver seu progresso, superou toda dificuldade inicial. A mãe finalizou relatando
que quando viu o menino pela primeira vez e pegou-o no colo, a assistente
social chorou, dizendo que ela realmente era a mãe daquele menino e que ninguém
jamais diria o contrário.
*Dados do Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 2008
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