Pensamentos



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sexta-feira, 8 de julho de 2011

Cultura surda: existe?


Virgínea Novack

        Cada vez é mais comum ouvirmos discursos sobre igualdade. No entanto, ainda mantemos uma visão arcaica em relação às minorias ou portadores de necessidades especiais. Como você descreveria uma pessoa surda? A resposta mais óbvia é uma pessoa que não ouve. Ao respondermos isso não levamos em consideração que o surdo não é somente uma pessoa que não ouve, mas que também tem sua própria cultura, a cultura surda.

 
História dos surdos    

    Na Grécia, os surdos eram encarados como seres incompetentes. Aristóteles ensinava que os que nasciam surdos, por não possuírem linguagem, não eram capazes de raciocinar. Essa crença fazia com que eles não recebessem educação, não tivessem direitos, fossem marginalizados (juntamente com os deficientes mentais e os doentes) e, muitas vezes, fossem condenados à morte.  
     Séneca inclusive afirmou:

“Matam-se cães quando estão com raiva; exterminam-se touros bravios; cortam-se as cabeças das ovelhas enfermas para que as demais não sejam contaminadas; matamos os fetos e os recém-nascidos monstruosos; se nascerem defeituosos e monstruosos afogamo-los, não devido ao ódio, mas à razão, para distinguirmos as coisas inúteis das saudáveis.” (Sêneca, Apud Silva, 1986, p. 129).
        Mais tarde, Santo Agostinho defendia a idéia de que os pais de filhos surdos estavam pagando por algum pecado que haviam cometido. É só no fim da Idade Média que saímos da perspectiva religiosa para a perspectiva da razão, em que a deficiência passa a ser analisada sob a óptica médica e científica. Entretanto, nos dias de hoje, ainda é muito comum percebermos essa visão preconceituosa, de desigualdade para com os surdos, indiferente do que a ciência explica.

 A questão da linguagem

        No Brasil, somente em 2005 a Libras foi oficializada como Língua de Sinais. Anteriormente a isso, os surdos não tinham uma maneira oficial de comunicação, mas nem por isso deixavam de se comunicar. A língua de sinais os caracteriza, sendo o elo entre todos eles (homens surdos, mulheres surdas, gays surdos, negros surdos, surdos do campo...). Buscando em explicações lingüísticas o esclarecimento da questão cultural da linguagem, podemos afirmar que cada indivíduo tem sua própria visão de mundo, a qual se forma a partir das relações cognitivas que este faz. Americanos pensam diferente de russos, que pensam diferente de japoneses. No caso de pessoas surdas, suas relações cognitivas são feitas através de sua língua, a de sinais. O que contraria o mito de que pessoas surdas não conseguem pensar, pois não conseguem falar.
          Nós, sujeitos ouvintes, como os surdos, já fazemos relações cognitivas anteriormente a fala. Depois é que começamos a associar as coisas às palavras, caracterizando o processo de aquisição da linguagem. No caso dos surdos, eles associam as coisas aos símbolos.

Uma cultura que se forma

          A surdez para a cultura surda não é vista como um deficiência, mas sim com um laço, a identidade de um determinado povo. 
          Segundo Strobel (2008)...

Cultura surda é o jeito de o sujeito surdo entender o mundo e de modificá-lo a fim de torná-lo acessível e habitável ajustando-os com as suas percepções visuais, que contribuem para a definição das identidades surdas e das ‘almas’ das comunidades surdas. Isto significa que abrange a língua, as idéias, as crenças, os costumes e os hábitos do povo surdo.” 

      Os indivíduos surdos não podem mais serem vistos como apenas deficientes. Eles formam um povo que se liga por uma língua e por suas próprias visões de mundo.

Um comentário:

  1. Estranho pensar nas razões que levaram iminentes ícones de nossa cultura a fazerem comentários como o que foi descrito por Sêneca...

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